Pelo fato de a Bíblia não entrar em detalhes sobre a salvação
de crianças, resta-nos analisar os princípios doutrinários da Escritura para
avaliar essa questão. A Bíblia é a revelação de Deus para os homens, deve ser
ensinada de forma insistente para as crianças, mas, no geral, sua mensagem é
uma exigência para adultos ou, pelo menos, aqueles que exercem algo de sua
capacidade mental.
A visão popular acerca deste assunto está cheia de superstições,
sofismas e crendices que nada têm a ver com o que diz a Palavra. Nem sobre a
salvação de adultos que exercem a fé, muito menos sobre o assunto da salvação
de crianças, que é muito mais complexo.
A visão popular se divide em vários pensamentos sobre este
assunto. A maioria pensa que todas as pessoas que morrem na infância serão salvas.
Há outros pensamentos pagãos a esse respeito, mas por ora, falaremos somente sobre
o pensamento no meio cristão.
O principal motivo que leva a maioria a pensar que todos os
que morrem na infância serão salvos é que o pensamento popular afirma que as
crianças são inocentes. Precisamos fazer uma distinção entre inocência e ingenuidade.
As crianças são ingênuas, mas não inocentes. Inocente é alguém sem pecado. Somente
Adão antes da Queda foi assim. Além dele, somente Jesus foi inocente em toda Sua
vida. Como Adão representava toda a raça humana, o que ele fizesse, Deus
consideraria que todos nós também fizemos. Adão pecou, portanto, Deus atribuiu
o pecado dele a toda raça humana que nasceu após ele (Rm 5.12). Como Jesus não nasceu
de forma natural, então Ele não foi representado por Adão, não sendo assim,
pecador. Todos os demais seres humanos já nasceram em pecado (Gn 8.21; Sl 51.5;
58.3; Rm 3.23). Uma criança, mesmo antes de praticar qualquer pecado, ela já é
pecadora. Aliás, é justamente por isso que ela comete pecado sem ninguém ensinar.
A exemplo, as pirraças que elas fazem no seio de sua mãe, ainda em tenra idade.
Jesus ensinou que, para alguém poder entrar no reino de
Deus, é necessário que nasça de novo (Jo 3.3,5). Assim fica claro que ninguém
pode entrar no reino de Deus tendo nascido apenas de sua mãe, isto é, do
nascimento natural. Logo, todo ser humano está (naturalmente falando)
descartado do reino de Deus, não interessa se ele morre ou não na infância. A não
ser que tenha nascido de novo, independente da idade de sua morte, ele está excluído
do reino de Deus! Isso nos leva à questão do que é o novo nascimento. O novo
nascimento é o nascimento espiritual. Em contraste com o nascimento físico, do
ventre da nossa mãe, o nascimento espiritual é promovido por Deus. Nada tem a
ver com a vontade humana (Jo 1.13). No ensino de Jesus sobre isso em João 3, a
palavra “de novo” que Jesus usa para Se referir ao novo nascimento, também significa
“do alto”. Nascer de novo quer dizer nascer de Deus. Visto que nem todos irão para
o céu, logo, nem todos nascem de novo. Visto que o novo nascimento é algo que
vem de Deus, o homem nada pode fazer para realizar seu novo nascimento.
O meio normal que Deus usa para que alguém que Ele escolheu
nasça de novo é o meio da pregação do evangelho (Jo 5.24,25; Tg 1.18; 1Pe
1.23). Como uma criança (na mais tenra idade) não compreende a pregação do
evangelho, visto que não está ainda iniciada no uso de sua faculdade, não sabemos
como Deus regenera uma criança. Mas sabemos que Ele pode fazer isso. João Batista,
por exemplo, ficou agitado ainda no ventre de sua mãe, saltando ali dentro, quando
ela recebeu a visita de Maria, que estava com Jesus em seu ventre (Lc 1.41).
Isabel ficou então cheia do Espírito Santo. Certamente, essa criança sendo
escolhida de Deus, foi regenerada (nasceu de novo) mesmo no ventre de sua mãe. O
que concluímos com isto é que somente crianças regeneradas vão para o céu.
Mas podemos ter certeza de que todas as crianças são regeneradas?
Não podemos estar certos disso, uma vez que muitas crianças foram condenadas em
suas nações, inclusive sob ordem divina, pena de morte, juntamente com os
homens, mulheres, anciãos e até animais (p. ex. 1Sm 15.3). Obviamente isso
também não afirma que todas elas foram condenadas ao lago de fogo. Foram sim,
condenadas à morte física, mas não se sabe se todas foram condenadas à morte
eterna. Outro exemplo é o dilúvio. Milhares e milhares de crianças foram
punidas com o afogamento, mas não podemos ter certeza se todas foram
regeneradas, se nenhuma delas foi ou quantas foram e quantas não foram. No entanto,
é bom se levar em conta que muitas crianças já sabem discernir o bem e o mal. Deus
não punia crianças à toa. Elas sabiam que havia maldade em seus pais, em sua
sociedade e em si mesmas. Quando elas cresciam, juntamente com elas crescia seu
sentimento de vingança, ódio e maldade. Essas coisas não vieram a elas depois
de adultas. Elas já tinham tudo isso em seu coração pecaminoso. A punição dada
a elas fisicamente bem podia representar a punição que muitas delas sofrerão em
seu castigo eterno!
Mas devemos nos lembrar de que, na volta de Cristo, as
pessoas ressuscitarão com seus corpos em um estado de plenitude, assim como já ficam
suas almas. Quanto aos crentes, o autor aos Hebreus diz que eles são vistos no
céu como “espíritos dos justos aperfeiçoados” (Hb 12.23). Isso quer dizer que não
existe alma criança. Se quando um crente morre, seu espírito é aperfeiçoado,
isso quer dizer que seu espírito não é criança. Logo, ao ressuscitar mediante a
vinda de Cristo, seu corpo também será ressuscitado em idade de plenitude, a
fim de estar em harmonia com sua alma também em estado de plenitude. A idade
plena de um homem está em torno de seus 25 anos, mais ou menos. Se essa é a
verdade sobre os mortos com Cristo, também deve ser para com os mortos sem
Cristo. Se não existe alma criança, então eles também ressuscitarão com corpo
em idade adulta, em sua plenitude, tal qual sua alma, porém, ao contrário dos
crentes, eles ressuscitarão com corpo e alma preparados para a condenação
eterna! Não serão crianças na ressurreição. Nossa sociedade e cultura tem um sentimentalismo
a respeito dessa questão. Não nos importamos se um Hitler da vida for para o
inferno, mas ficamos arrepiados se alguém diz que uma criança foi! E se Hitler
tivesse morrido criança? Seria salvo? Deus mudaria Seu plano? De forma nenhuma.
Apenas que ele sofreria em um grau muito menor, mas continuaria sendo um réprobo
condenado, como sempre foi.
Consideremos também Judas Iscariotes. Ele era filho da
perdição (Jo 17.12), independente de sua idade. Ele era um vaso de ira e
desonra preparado para a perdição (Rm 9.22). Não importa a idade que Judas
morresse, ele não seria salvo, pois era filho da perdição e não de Deus. No entanto,
ele teve maior pecado (Jo 19.11), por ter entregue o Salvador e, de acordo com
Jesus, ele sofrerá maior condenação (Mt 10.14,15; 11.21,22; Lc 12.47,48). Se
uma pessoa morre criança e não nasceu de novo, ela será condenada porque já nasceu
com a semente do pecado, do mal, herdada de Adão, em sua natureza. No entanto,
seu sofrimento será menor do que aquele que viveu toda uma vida cometendo
pecados. Alguém que morre na infância só tem seu pecado herdado, a semente do
mal, que a igreja tem chamado de “pecado original”. Por ter nascido em pecado,
seu salário é a morte (Rm 6.23a). Porém, na justiça de Deus, cada um receberá
de acordo com o grau de castigo que merecem. Uns mais e outros menos. Mas todos
os condenados serão eternamente castigados.
Suponha que, no Dia do Juízo, alguém que tenha morrido na infância
e não tenha sido regenerado por Deus, diga ao Juiz Jesus Cristo: “Senhor, mas
como eu posso ser condenado se nada fiz de errado, ao contrário, nasci e já morri
sem ter cometido nenhum pecado”? De acordo com a Bíblia, o sujeito nasceu
pecador e, só por isso, já merece a morte. Mas suponha outra vez que Jesus pode
mostrar para ele como seria sua vida, caso Deus o tivesse deixado viver aqui na
terra! Essa criança natimorta teria sido um brutal inimigo de Deus! Teria sido
pior que Ninrode, Judas, Hitler ou algum outro crápula que esse mundo já conheceu.
Na verdade, isso ainda demonstra certa bondade de Deus para com essa pessoa,
visto que, se a tivesse deixado viver, ela sofreria um pior castigo no Dia do
Juízo!
Os textos usados por aqueles que acreditam na salvação de
todas as crianças (inclusive muitos calvinistas) não podem garantir esse
pensamento. Um dos textos é aquele da morte do filho de Davi e Bate-Seba, filho
do seu adultério. Depois de ter nascido a criança doente, ela foi piorando até
morrer. Depois Davi diz, em sua explicação: “Eu irei a ela, porém ela não
voltará para mim” (2Sm 12.15-23). Dizem os intérpretes que Davi falava que,
quando morresse, encontraria a criança no céu. Mas não é isso que o rei está
dizendo. Apenas disse que ele, como um ser vivente, um dia iria para o estado
em que sua criança se encontrava, o estado de morte, pois sua criança não
poderia voltar para ele, isto é, em seu estado de vida física. Nada aqui
diz sobre o estado eterno.
Mas talvez o texto mais usado seja aquele que mostra Jesus abençoando
as criancinhas que os discípulos tentaram afastar dEle (Mt 19.14). Nem mesmo
desse texto se pode garantir salvação para todas as crianças. O uso dos artigos
definidos no grego pode indicar que Jesus estava garantindo a salvação daquelas
crianças específicas e não de todas as crianças do mundo. Assim também o Senhor
havia garantido a salvação dos 70 discípulos a quem Ele deu poder para pregar o
evangelho. Ele disse que seus nomes estavam escritos no Livro da Vida (Lc 10.20).
Mas Ele não disse isso a ninguém mais. Isso não significa que os nomes de todas
as pessoas, nem mesmo todas as que se dizem discípulas de Cristo realmente
estejam arrolados nos céus.
Quando olhamos o contexto dessa passagem nos Evangelhos,
percebemos que os evangelistas colocam o episódio das crianças sempre em
contraste com outros encontros de Jesus com certas pessoas que confiavam em si mesmas
para a salvação. Em Mateus 19, que foi o exemplo que usamos, quem vem logo a
seguir a encontrar-se com Jesus é o jovem rico. A diferença gritante entre ele
e as crianças é que ele confiava em si mesmo, em sua guarda da lei, em suas riquezas
como sinal do favor de Deus para a salvação. As crianças não são assim. Elas são
dependentes e é isso que Jesus quer ensinar a Seus discípulos. Que eles sejam
como elas e não como aquele jovem rico. Tanto é que no cap. anterior (Mt 18),
Jesus coloca uma criança no meio dos discípulos e lhes diz que devem ser tais como
uma criança (vs. 1-5). Ele completa o pensamento, dizendo que não podemos fazer
um pequenino Seu tropeçar (v. 6), mas veja que Ele não está falando de criança
mais e sim de Seus pequeninos, isto é, “que creem em Mim”! Jesus não está
garantindo salvação de crianças, mas dizendo que os salvos se comportam nesse
quesito como elas. Assim como crianças não se viram sozinhas, antes dependem
dos adultos, assim quem quiser ser salvo, não pode depender de si mesmo, antes,
do Pai Celeste. Os pequeninos são discípulos e não crianças.
Muitos crentes calvinistas que batizam seus filhos pensam
que, por havê-los batizado na infância, asseguram a salvação de seus infantes. Nada
disso também é garantia para a salvação deles. Na história do povo de Deus,
muitos pais salvos tiveram filhos perversos e perdidos. A questão permanece
aqui. Eles só serão salvos se tiverem sido escolhidos por Deus e, mesmo que
morram na infância, nada disso muda o decreto eterno do Senhor. Nem mesmo o
batismo infantil. Alguns pais querem se consolar com o fato de que, se seus
filhos partiram para a eternidade na infância, logo estão salvos. Este é um
consolo suposto. O que salva fará com que uma criança (ou qualquer ser humano) entre
no reino de Deus é sua regeneração, mas não sabemos se Deus regenerou este ou
aquele infante. Aliás, mesmo adultos, que professam sua fé em Cristo, isto não significa
que serão salvos... Podemos estar enganados acerca de muitos que fizeram isso,
mas cujas vidas no seu interior, somente Deus conhece.
O resumo da ópera é o seguinte.
1. Ninguém pode ser salvo porque é criança, ou por
ter morrido na infância. A Bíblia é contra a crença na salvação pelo mérito ou
pelas obras. A salvação é dom de Deus e Ele dá a quem Ele quer (Ef 2.8).
2. Somente as crianças eleitas serão salvas. Somente
essas crianças Deus regenerou por Sua graça. As demais, Ele deixou em seu
pecado original e não as quis remir, pois não eram vasos para honra e sim para
ira.
3. Todas as crianças são geradas em pecado e o salário
do pecado é a morte. Quando Deus dá a morte aos seres humanos, Ele apenas lhes
dá o que merecem.
4. Quando Deus salva, Ele salva por Sua
misericórdia, não sendo obrigado a isso em hipótese alguma. As crianças que são
salvas, são apenas por causa da misericórdia de Deus.
5. Não existe alma criança (como também não existe
alma velha). Todas as pessoas, na ressurreição, serão levantadas em sua fase
adulta e prontas para o céu (glorificadas) ou para o inferno.
6. Pessoas que não foram salvas terão graus
diferentes de castigo no inferno. As que morreram na infância certamente sofrerão
menos do que aquelas que viveram em pecado aqui na terra.
7. Batismo infantil não salva criança nem lhe garante
que esteja inserida na aliança. O sinal da aliança é o sangue de Jesus e não o
batismo (Mt 26.28).
Aos pais que perderam seus filhos na infância, resta somente
deixar ao encargo de Deus a questão de sua salvação. Não podemos afirmar a
salvação de nenhuma pessoa que morre, seja em qual idade for, mas fica mais fácil
identificar quando a pessoa deixou frutos de uma vida com Deus. Já no caso da infância,
não sabemos o que seria esta pessoa no decorrer de sua vida, não sabemos os
planos que Deus tinha para com ela. Mas certamente, se fossem planos salvíficos,
ela foi salva, mesmo morrendo na infância. Porém, se foram planos de
condenação, ela não será salva, mesmo nascendo morta!
Se deseja ler a parte dois, clique aqui.
Día tes písteos.
Pr. Cleilson