Ó Deus, tu és o meu Deus forte; eu te busco ansiosamente; a minha alma tem sede de ti; meu corpo te almeja, como terra árida, exausta, sem água.
Assim, eu te contemplo no santuário, para ver a tua força e a tua glória.
Porque a tua graça é melhor do que a vida; os meus lábios te louvam.
Assim, cumpre-me bendizer-te enquanto eu viver; em teu nome, levanto as mãos.
Como de banha e de gordura farta-se a minha alma; e, com júbilo nos lábios, a minha boca te louva,
no meu leito, quando de ti me recordo e em ti medito, durante a vigília da noite.
Porque tu me tens sido auxílio; à sombra das tuas asas, eu canto jubiloso.
A minha alma apega-se a ti; a tua destra me ampara.
Porém os que me procuram a vida para a destruir abismar-se-ão nas profundezas da terra.
Serão entregues ao poder da espada e virão a ser pasto dos chacais.
O rei, porém, se alegra em Deus; quem por ele jura gloriar-se-á, pois se tapará a boca dos que proferem mentira.
Davi, quando estava no deserto de Judá, logo após ter saído da caverna de Adulão e deixado seus pais em Moabe, compôs esse maravilhoso poema lírico, talvez exausto já de tanto fugir do rival Saul. Foi nessa ocasião que, por conselho do profeta Gade, Davi e seus homens foram para os bosques de Judá. Ali também, o rei Saul, já irado por imaginar que havia pessoas no seu exército a favor de Davi, matou 85 sacerdotes do Senhor pelas mãos de Doegue, o edomita, porque o sacerdote Aimeleque havia suprido a Davi e seus homens (1Sm 21 - 22)!
Isso incomodou Davi de tal maneira, que ele se sentiu culpado pela morte desses sacerdotes. Esse rei tão espiritual e sensível à presença de Deus compôs esse salmo impressionante! Num momento como esse, Davi tinha todas as razões para tornar-se deprimido e consequentemente desanimado, mas não é isso que lemos no salmo. Ali vemos a expressão de alguém que realmente não só confia no Senhor, como também O vê como fonte de toda busca espiritual. Davi como que se desprende da situação e canta ao Senhor, revelando no salmo seu desejo ardente por Deus!
Para ele, Deus era o seu refúgio, o lugar mais forte do que os lugares em que ele se escondia (v. 1a). Não só sua alma tinha sede de Deus, mas seu corpo também O desejava, como terra seca (v. 1b). Hoje nós dissociamos muito. Às vezes defendemos que a alma deve buscar ao Senhor, enquanto o corpo fica inerte, outras vezes queremos balançar o corpo sem que a alma esteja na busca... precisamos aprender com o salmista a equilibrar nosso ser por completo na busca pelo Senhor.
No Salmo 27, o rei já tinha dito que buscaria uma coisa que vinha pedindo ao Senhor: que pudesse morar na Casa do Senhor todos os dias de sua vida para "contemplar a beleza do Senhor e meditar no Seu templo" (Sl 27.4). Agora, aqui neste maravilhoso Salmo 63, Davi diz que já contempla o Senhor (v. 2)! De fato ele buscou o que havia pedido! Ele vê a força e a glória do Senhor! Talvez, como para que se quisesse se consolar pela morte dos sacerdotes, diz o salmista no v. 3 que a graça de Deus é melhor do que a vida (do heb. Chasedeka - amor, benignidade). Aqueles sacerdotes que morreram eram objetos do amor de Deus, por isso suas vidas (no heb. vida está no plural - vidas) eram importantes, sim, mas não maiores que o amor de Deus! Com isso, Davi tinha apenas que render-se ao Senhor e louvá-lO (v. 4).
Davi considera sua alma robusta, fortalecida (v. 5) e até no leito, que inclusive não tinha no momento, por viver afugentado daqui para ali, ele se recordava do seu Deus e sua boca se desdobrava em júbilo (v. 5,6). Isso é que é viver acima dos problemas! Nada do que lhe tinha ocorrido era capaz de alvoroçar sua satisfação no Senhor! Ele explica a razão disso no v. 7: "Porque Tu me tens sido auxílio; à sombra das Tuas asas eu canto jubiloso"! O que vemos em nossos dias são crentes robustecendo seu corpo, em busca das riquezas terrenas e passageiras, enquanto a alma definha por falta de comunhão verdadeira com Deus.
Davi estava extremamente "grudado" em Deus (v. 8 - Adam Clarke). Sua alma tornava-se uma com Deus. Quando falamos de intimidade hoje, falamos apenas por causa dos louvores que são bonitos e harmoniosos, mas não se ouve ensino acerca de uma intimidade como essa em tempos de tribulação...
Do v. 9 ao 11, o rei profetiza o fim daqueles que o perseguem. De fato, foi o que aconteceu a Saul, foi entregue não só à espada, como também às profundezas da terra (1Sm 31.1-10). Davi aqui não está vindicando o trono para si, muito embora se proclame rei no v. 11. Apenas porque cria na palavra de Deus através do profeta Samuel, de que o faria rei e também porque não suportava ver os mentirosos tendo qualquer êxito! Era exatamente o tipo de Saul: um mentiroso que se aproveitava do trono para matar os que ajudavam a Davi e o caluniava com mentiras abusivas.
Nós temos visto mentiras sendo usadas em nome de Deus nos púlpitos (já não são mais tronos, alguns até são), perseguições discretas sendo feitas àqueles a quem Deus realmente chamou e um emaranhado de teologias estranhas que misturam a verdade com a falsidade, de maneira tão costurada, que muitas pessoas não conseguem mais discernir. Pensam que se falou de Deus está ótimo! O problema é que muitos falam de Deus, mas nem todos falam por Deus.
Que este salmo nos ensine, além do discernimento, também a verdade sobre intimidade e comunhão com Deus. Esta comunhão vai além dos momentos de êxtase no louvor e nas músicas que são cantadas nas igrejas. Esta intimidade está na ligação apegada da nossa alma com Deus, quando nos deitamos, quando somos perseguidos, quando sentimos culpa, quando alguém nos toma o que é nosso por direito. Davi não exigiu o trono! Ele não cantou: "Restitui... eu quero de volta o que é meu"! Ele sabia o que ensinou para seu filho, que há tempo para todas as coisas (Ec 3.1). Ele sabia que quem usa de engano não prevalecerá (Sl 101.7), por isso ele esperava no Senhor. Não uma espera como de vingança, mas uma espera que, enquanto esperava regozijava-se, não em saber que Deus lhe daria o trono, mas regozijava-se na Pessoa de Deus. Intimidade é isso: é alegrar-se em ter Deus como seu Deus, mesmo sabendo que Deus não vai fazer aquilo que a gente quer!
Dia tēs písteōs.
Pr. Cleilson