Durante longos séculos tem havido debate sobre o que o
apóstolo Paulo quis dizer com o texto de 1Coríntios 14. Há até mesmo a defesa
de que estes versículos não se coadunam com o contexto e que, portanto, algum
copista deve tê-lo acrescentado a esse texto da carta. Leia aqui essa defesa.
Há também outras propostas para a interpretação desses
versículos além desta acima. Alguns defendem que as mulheres profetizavam apenas
fora das reuniões e que, portanto, esta ordem de Paulo refere-se apenas aos
cultos públicos, onde, então elas eram proibidas de se manifestar em profecia,
ou em qualquer outra manifestação. Isto dizem, porque no capítulo 11 de
1Coríntios Paulo havia dito que as mulheres podiam profetizar, desde que sua
cabeça estivesse coberta (como um sinal de submissão a seu marido). Embora
Calvino fosse contra essa interpretação, pois, segundo ele, “as mulheres não
têm o direito de profetizar, nem mesmo com suas cabeças cobertas”. Ele diz que
Paulo, “ao desaprovar uma coisa aqui [que é proibir que as mulheres profetizem
sem o véu], não significa que está aprovando a outra ali [que é permitir que
profetizem com o véu]”.[1]
Calvino faz essa interpretação baseado na crença de que Paulo continuaria seu
argumento justamente no capítulo 14, onde diz que as mulheres deveriam estar
caladas nas igrejas. Entretanto, ele vê a ordem aqui como se referindo a
ensinamento e exercício de autoridade na igreja. Pois é incompatível que uma irmã
(que é submissa a um dos membros da igreja – seu marido) exerça autoridade
sobre toda a igreja! O reformador de Genebra, no entanto, não está sendo
chauvinista (opa, quase calvinista), pois apesar de sua época ser machista, ele
ainda vê o apóstolo Paulo sendo aberto para com as mulheres, muito mais que os
judeus, porque entre estes se dizia: “É melhor queimar a Torah, do que
ensiná-la a uma mulher”, ou “Quem ensina a Torah a sua filha ensina-lhe
obscenidades” (Rabi Eliezer), enquanto que Paulo ainda dizia que as mulheres
poderiam aprender ou inquirir alguma coisa em particular com seu marido, ou
obviamente com algum profeta ou mestre da igreja, caso não obtivesse resposta
em casa.
Outra sugestão diz o seguinte: Paulo estava proibindo
palavras indiscretas por parte das mulheres. Partindo para o texto grego, o
verbo que o apóstolo usa aqui é o verbo “laléō”, que significa “palrear, chilrear”, usando palavras sem
sentido, ao contrário de “légō”, que
mostra uma fala mais sensata. No entanto, essa diferença existe no grego
clássico. No “koiné”, o grego comum, usado na linguagem do Novo Testamento não
se pode afirmar essa diferenciação. Neste caso, “laléō” pode se referir ao “emprego dos órgãos
da fala”, “légō”, ao
“sentimento proferido” e “fēmi”, às “palavras ditas” [2].
Há uma
interpretação desse trecho de 1Coríntios que afirma o seguinte: Paulo
estava citando um ditado que havia na
sua época, o qual era proferido na igreja de Corinto, que proibia as mulheres
de falar. Esta interpretação diz que o apóstolo não endossou a afirmação desse
ditado, pelo contrário, a combateu. [3] De
acordo com essa visão, isso explica o tom de ironia e perguntas de retórica que
Paulo faz no v. 36. Como se ele dissesse: “Vocês dizem que mulher não pode
falar na igreja. Mas por acaso, a palavra de Deus se originou no meio de vocês?
Quem é que diz isso? Vocês não estão com a razão!” Mas parece que o contexto
imediato não respalda essa tese, pois carece de sentido lógico de argumento.
Outra proposta
para o entendimento desse trecho tem sido divulgada da seguinte forma: Paulo
estava permitindo que homens e mulheres profetizassem (1Co 11.4,5), mas apenas
os homens podiam julgar e atestar as profecias. As mulheres deveriam permanecer
caladas nas igrejas, a fim de que os homens, ou as autoridades da igreja
tivessem condição de efetuar o julgamento das profecias que eram dadas tanto
por homens, quanto por mulheres. A base para essa proposta é apoiada pelo contexto
imediato, quando, em 1Coríntios 14.29 a seguir diz: “Tratando-se de profetas,
falem apenas dois ou três, e os outros julguem, etc.” Aqui se coloca a
conclusão de que as mulheres deveriam permanecer em silêncio, enquanto as
autoridades eclesiásticas se punham a julgar as profecias. Esta interpretação
está próxima do significado, pois é amparada pelo contexto imediato. Um pequeno
problema que ela tem que enfrentar é o fato do versículo 31 dizer: “Porque
todos podereis profetizar, um após o outro, para todos aprenderem e
serem consolados”, uma vez que Paulo não permitia o ensino feminino na igreja. Então
a pergunta é: se a mulher não pode ensinar na igreja, como ela pode profetizar
(1Co 11.5) de maneira que todos aprendam (1Co 14.31)?
Outra interpretação
diz que essa afirmativa de Paulo era por causa da instrução mais limitada das
mulheres, o que as levava a fazer perguntas inoportunas. No mundo antigo era
comum os ouvintes interromperem os mestres com perguntas, mas isso era
considerado rude se as perguntas refletissem ignorância do assunto (Plutarco).[4] Então,
pelo fato das mulheres serem menos instruídas que os homens, Paulo propõe uma
solução de curto prazo e uma de longo prazo para o problema. A de curto prazo é
que as mulheres parassem com perguntas desconcertantes; a de longo prazo é que
fossem instruídas em casa com seus maridos.
Ainda outra interpretação diz respeito a que Paulo apenas estava exortando a igreja a respeitar as normas culturais de sua época a respeito das mulheres em público, para que a igreja permanecesse eficaz em atrair pessoas a Cristo. A força desta interpretação toma sentido quando se leva em conta as considerações que Paulo faz sobre a escravidão, por exemplo (1Tm 6.1,2), onde o apóstolo dá conselhos aos escravos para que sejam submissos, sem no entanto defender a instituição da escravatura. Entretanto, essa questão da mulher permanecer calada nas igrejas carrega um peso maior, pois Paulo não usa o argumento "para que o nome de Deus e a doutrina não sejam blasfemados" como ele o faz em 1Timóteo! Aqui em 1Coríntios, o argumento que Paulo usa é "como também a lei o determina" (1Co 14.34)! O que nos leva a pensar que Paulo queria que isso fosse visto como doutrina, pois ainda ele diz no v. 37: "Se alguém se considera profeta ou espiritual, reconheça ser mandamento do Senhor o que vos escrevo"!
Depois faremos algumas considerações.
Dia tēs písteōs.
Pr. Cleilson
Ainda outra interpretação diz respeito a que Paulo apenas estava exortando a igreja a respeitar as normas culturais de sua época a respeito das mulheres em público, para que a igreja permanecesse eficaz em atrair pessoas a Cristo. A força desta interpretação toma sentido quando se leva em conta as considerações que Paulo faz sobre a escravidão, por exemplo (1Tm 6.1,2), onde o apóstolo dá conselhos aos escravos para que sejam submissos, sem no entanto defender a instituição da escravatura. Entretanto, essa questão da mulher permanecer calada nas igrejas carrega um peso maior, pois Paulo não usa o argumento "para que o nome de Deus e a doutrina não sejam blasfemados" como ele o faz em 1Timóteo! Aqui em 1Coríntios, o argumento que Paulo usa é "como também a lei o determina" (1Co 14.34)! O que nos leva a pensar que Paulo queria que isso fosse visto como doutrina, pois ainda ele diz no v. 37: "Se alguém se considera profeta ou espiritual, reconheça ser mandamento do Senhor o que vos escrevo"!
Depois faremos algumas considerações.
Dia tēs písteōs.
Pr. Cleilson
[1]
CALVINO, João – 1 Coríntios – Ed.
Paracletos – 2ª ed. 2003 – S. B. Campo/SP
[2]
TAYLOR, W. C. – Dicionário do NT Grego
– Juerp – 3ª ed. 2001 – Rio de Janeiro/RJ
[3]
HAWTHORNE, Gerald F., MARTIN, Ralph P., REID, Daniel G. – Dicionário de Paulo e suas cartas – Vida Nova, Paulus, Loyola –
2008 – São Paulo/SP (citando KEENER, C. S.).
[4]
Idem.
Pr há algo que eu queria uma explicação:
ResponderExcluirpaulo deu conselhos aos escravos convertidos! é isso? e a bíblia combate escravidão de pessoas?
(por favor poupe esse ignorante).rsrsrsr
um abraço!
Oh, amado. De maneira alguma... rs. Na verdade todos precisamos de conhecer algo mais.
ResponderExcluirPaulo deu conselhos aos escravos cristãos com o objetivo de que o nome de Deus não fosse blasfemado. Por isso ele, digamos, legislou sobre a escravatura em algumas de suas cartas.
No entanto, não podemos dizer que a Bíblia combatia a escravidão, pois na época era algo comum à sociedade vigente.
Porém, o que a Bíblia fez, e não somente o Novo Testamento, foi elaborar leis que viessem a tratar os escravos com humanidade, pois também eles eram imagem e semelhança do Criador. Quando Deus estabelece a lei para os escravos, Ele instrui que o escravo serviria apenas 6 anos o seu senhor. Depois disso seria desforrado, seria dada opção de liberdade para aquele homem (Êx 21.2). Deus fez várias outras leis que favoreciam os escravos, os quais em outras nações eram vistos como animais e não havia leis que os dignificassem (Êx 21.20,26,32; Lv. 25.39; Dt 23.15, etc.) . A principal razão pela qual Deus decretou essas leis foi porque Seu povo havia sido escravo no Egito, portanto, deveria tratar com dignidade e respeito seus próprios escravos (Dt 24.22).
O Cristianismo, sem dúvida alguma, foi a religião que contribuiu decisivamente para a abolição da escravatura. Desde os ensinos de Paulo até os reformadores encontramos instruções carregadas de um senso humano para com essas pessoas.
Por isso, podemos dizer que, embora a Bíblia não combatesse a escravidão, porque era algo normal na época, ela foi muito além do que se fazia na época e dignificou a pessoa do escravo.
O que nós chamamos de "revelação progressiva" fez isso. Deus foi tratando aos poucos desse erro, até que ele fosse abolido, sem ferir a cultura e o contexto social da época de Seus servos.
Abração.