Teolatria

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quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Mulheres Pastoras: Uma Ampliação Do Debate



Uma página do Códice Vaticano, do século IV, com uma nota marginal (entre as colunas 1 e 2), na qual um copista medieval critica acerbamente um predecessor por ter alterado o texto: “Insensato e desonesto, deixe o texto antigo, não o altere!”
A proposta do texto que se segue é exatamente a de ampliar o debate sobre a separação de mulheres ao ministério pastoral. Para implementar tal proposição, defendo ser necessário percorrermos um caminho para trás com vistas à solução, se for possível, dos problemas que envolvem uma das Escrituras prediletas daqueles que são antagônicos ao ministério pastoral feminino.
Do debate teológico, até a consolidação de convicções teológicas, há lacunas que não podem ficar sem ser ocupadas por colunas enrijecidas. Se assim não for, argumentos que aparentam ser irretorquíveis, na verdade, não passam de autênticos “calcanhares de Aquiles”.

Todo estudante das Escrituras mais criterioso sabe que os originais do Novo Testamento não existem (ainda não foram encontrados). Por alguma razão, Deus ainda mantêm os autógrafos velados. Igualmente, deve saber o dedicado estudante da Bíblia que os manuscritos do Novo Testamento existentes possuem alguns enganos que são produtos da ação copista. É muito natural que no processo de transcrição dos Textos Sagrados, alguns enganos, ora deliberados, ora não, tenham marcado as Escrituras.
Por essa razão, algumas passagens bíblicas são disputadas como sendo, ou não, textos inspirados. Por exemplo: o texto da mulher adúltera (Jo 7:53-8:11), o texto “pentecostal” de Mc 16:9-20 e a passagem trinitariana de 1Jo 5:7-8. Contudo, a despeito da existência das variantes textuais, é bom destacar aqui o que disse Frederick Kenyon: “Nenhuma doutrina fundamental da fé cristã depende de algum texto controvertido [...]” (apud McDowell, 1996, p. 57).
Também faz parte do universo de passagens disputadas, o texto de 1 Coríntios 14:34-35. Este, igualmente àqueles já citados, é um dos que estão sob uma nuvem de dúvidas quanto à sua legitimidade como uma Escritura inspirada. Essa referência é um dos alicerces argumentativos dos críticos que se opõem ao ministério pastoral feminino e é o objeto de análise deste texto que apresento.
“As mulheres se mantenham caladas. Elas não têm permissão de falar; devem permanecer submissas, como diz a lei. Se elas desejam instruir-se sobre algo, interroguem seus maridos em casa. É vergonhoso para uma mulher falar na igreja”.
De acordo com Erhman (2006, p. 193), esses versículos “não foram originalmente escritos por Paulo”. Ele explica que ambos não se encontram em alguns manuscritos (três gregos e em alguns testemunhos latinos) depois do versículo 33 e sim depois do 40. Por conta disso, alguns pesquisadores inclinam-se à defesa de uma origem dos versículos 34 e 35 a partir de uma nota marginal, fruto da pena de um copista.
Erhman faz uma observação pertinente quanto ao contexto imediato dos versículos em questão. Ele sugere que há uma desconexão entre eles e que isso pode apontar para um indício da não autoria paulina dos versículos 34-35. Do versículo 26 até o 33, o assunto predominante é a ordenação do culto quanto ao ato de profetizar. Em uma análise mais cuidadosa, pode ser visto que o assunto é abruptamente interrompido pela questão da ação das mulheres dentro da igreja (vv 34-35) para ser retomado nos versículos 36-40.
Lendo o capítulo 14 em sua inteireza, parece que o Dr. Erhman tem razão. Dá para perceber uma aparente falta de sentido na presença dessa orientação dada à Igreja a respeito das mulheres nesse contexto. Parece que há um desvio de raciocínio que não é apenas estranho ao contexto imediato, mas também é estranho à clara orientação dada por Paulo às mulheres no capítulo 11:2-16. O sentido de coerência estrutural do texto tão presente no capítulo deixa de existir quando o mesmo se vale dos versículos 34 e 35.

Os espíritos dos profetas estão sujeitos aos próprios profetas, porque Deus não é de confusão, e, sim, de paz. Como em todas as igrejas dos santos,
Conservem-se as mulheres caladas nas igrejas, porque não lhes é permitido falar; mas estejam submissas como também a lei o determina. Se, porém, querem aprender alguma coisa, interroguem, em casa, a seus próprios maridos, porque para a mulher é vergonhoso falar na igreja.
Porventura a palavra de Deus se originou no meio de vós, ou veio ela exclusivamente para vós outros? (33-36).
Agora, vejamos como dando continuidade ao versículo 33, apenas o 36 e 37:
Os espíritos dos profetas estão sujeitos aos próprios profetas, porque Deus não é de confusão, e, sim, de paz. Como em todas as igrejas dos santos.
Porventura a palavra de Deus se originou no meio de vós, ou veio ela exclusivamente para vós outros?
Se alguém se considera profeta, ou espiritual, reconheça ser mandamento do Senhor o que vos escrevo.
Diante dessa comparação, parece que Erhman tem razão quando diz que sem os versículos 34-35, “a passagem parece fluir coerentemente como uma discussão do papel dos profetas cristãos”.
Alguns dos opositores do ministério pastoral feminino podem, de imediato, lançar dúvidas sobre o pensamento do Dr. Erhman por ser ele um teólogo de linha liberal. Eu, particularmente, não sou liberal, mas acredito que de “Nazaré pode vir alguma coisa boa” sim. E essa questão levantada por Erhman, parece-me, em alguma instância, ser procedente. Eu não sou um erudito, em qualquer aspecto que seja. Eu não sou um pesquisador, um estudioso da Crítica Textual. Mas, também não sou um tolo para levantar esse debate aqui apenas evocando um teólogo liberal.
Para minha supresa, em minha breve pesquisa, Erhman indica, para uma análise mais aprofundada do assunto, o trabalho de Gordon Fee: The First Epistle to the Corinthians. Grand Rapids: Eardmans, 1987. Ele indica esse teólogo pentecostal, e nada liberal, como alguém que defende a não autoria paulina dos versículos 34-34. Eu não tive acesso à obra do Dr. Fee, mas, Wayne Grudem sim, e em sua Teologia Sistemática ele atesta que Gordon Fee realmente pensa como diz Ehrman [cf. p.799-800].
O Dr. Champlin, ao comentar 1 Coríntios 14:34-35, diz:
“Nesta passagem há uma importante variante textual, relacionada ao problema com que nos defrontamos. Segundo o texto ocidental [...] a tradição latina em geral [...] os versículos trigésimo quarto e trigésimo quinto aparecem depois do versículo quarenta. Isso tem levado alguns estudiosos a especularem que, originalmente, esses versículos seriam uma glosa escribal, posta à margem, não fazendo parte da composição paulina de forma alguma. Da margem, finalmente, passaram para o próprio texto, na posição comum em que se encontram, ma maioria dos manuscritos, embora tivessem entrado no texto ocidental imediatamente após o versículo quadragésimo [...] Isso seria uma instância de uma não-interpolação ocidental, ou seja, um lugar onde o texto ocidental, contrariamente a todas as demais tradições textuais, exibe um texto mais curto, representante do original, ao passo que as outras tradições contêm um ornato qualquer, que aumentou a extensão do texto” (p. 230, 1985).
Concluindo, ninguém pode dizer que 1 Coríntios 14:34-35 não está envolvido em uma nuvem de suspeições quanto à sua legitimidade como uma Escritura autenticamente paulina e, portanto, inspirada. Mesmo que se dê pouca, ou muita importância ao fato, na minha opinião, seria de bom alvitre que os inimigos do ministério pastoral feminino, ao usarem esta passagem, se lembrassem que é possível que eles estejam fundados em um texto que fora introduzido no capítulo por mãos não apostólicas.
Talvez, recordar-se disso quando se está pregando para uma platéia alheia ao debate que circunda o texto, não faça sentido, mas, ao gravitar pelo universo do debate acadêmico em si, é conditio sine qua non que eles estejam bem munidos de argumentos que façam parecer “palha” as justificativas de Erhman e Fee, consubstanciadas, em parte, pelo comentário de Champlin, caso contrário…
Por Pr. Zwinglio Rodrigues
Referências:
ERHMAN, Bart D. O que Jesus disse? O que Jesus não disse? São Paulo: Prestígio, 2006.
GRUDEM, Wayne.
 Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999.
CHAMPLIN, Russel N.
 O Novo Testamento Interpretado Versículo Por Versículo. São Paulo: Milenium, 1985.
McDOWELL, Josh.
 Evidência Que Exige um Veredito – vol. 1. São Paulo: Candeia, 1996.

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