É digno de nota que quando Jesus leu o texto de Isaías 61 a Seu respeito, Ele fechou o livro antes de terminar de completar a ideia do versículo. Em Lucas 4.18,19 Ele lê assim: "O Espírito do Senhor é sobre mim, pois que me ungiu para evangelizar os pobres, enviou-me a curar os quebrantados do coração, a apregoar liberdade aos cativos, a dar vista aos cegos, a pôr em liberdade os oprimidos, a anunciar o ano aceitável do Senhor". No v. 20, Lucas diz que Ele fechou o livro... mas faltou ler o final do que Isaías escreveu nesse trecho. Em Isaías 61, depois da frase "a anunciar o ano aceitável do Senhor", há um complemento: "e o dia da vingança do nosso Deus" (v.2). Mas Jesus não completou com essa frase. Ele fechou o livro antes de ler este pedaço... Por quê?
Os profetas do AT quando vaticinavam alguma palavra de Deus, especialmente se fosse futurística, geralmente eles falavam sem compreender a ordem dos eventos. Isto porque viam de longe, então não conseguiam discernir qual a distância entre "uma montanha e outra", digamos assim, em outras palavras, não conseguiam definir quando uma profecia seria cumprida e se havia um espaço de tempo entre duas profecias. Os estudiosos veem isso como efeito perspectiva. De longe, quando olhamos as montanhas, elas parecem estar juntas, entretanto, ao chegar em uma delas, percebemos que a outra está a uma distância tão grande quanto a que estávamos antes de chegar ali. Isso quer dizer que os profetas do AT não percebiam que suas profecias geralmente tinham uma distância entre o cumprimento de uma e de outra. Joel, por exemplo, quando profetizou acerca do derramamento do Espírito Santo, já incluiu juntamente com essa, uma outra profecia que fala das catástrofes que sucederão na 2ª vinda de Cristo (Jl 2.28-30). Na mente dele, ambas as coisas aconteceriam juntas, mas nós (que já chegamos e até passamos da 1ª montanha) sabemos que há um espaço de tempo até que se chegue ao cumprimento da 2ª profecia.
Pois bem, assim sucedeu com Jesus. Em Nazaré, quando leu o rolo do profeta Isaías, Jesus o fechou antes que lesse a última parte daquele trecho, porque só "a 1ª montanha havia chegado". Por isso Jesus diz em Lc 4.21: "Hoje se cumpriu esta Escritura em vossos ouvidos". Jesus queria dizer que Ele preenchia os requisitos daquela profecia naquele momento, no Seu ministério terreno. De fato, Ele foi ungido com o Espírito Santo (At 10.38), Ele evangelizou os pobres (Lc 6.20), Ele curou os quebrantados de coração (Lc 5.20), Ele apregoou liberdade aos cativos (Lc 4.35), Ele abriu a vista dos cegos (Lc 18.42), colocou em liberdade os oprimidos, mas na Sua 1ª vinda Ele não veio para anunciar o "dia da vingança do nosso Deus". Ele veio apenas para anunciar o "ano aceitável do Senhor".
Observe a diferença entre as palavras:
"Ano" e "dia" => o ano é mais longo, o dia é repentino;
"Aceitável" e "da vingança" => o ano é para aceitação (Evangelho), o dia é para vingança (Juízo);
"do Senhor" e "do nosso Deus" => Jesus é chamado de Senhor (Kyrios) no NT e Deus aqui se refere ao Pai, o Juiz de todos.
Portanto, como Jesus estava na Sua 1ª vinda, Ele não veio para fazer juízo (Jo 3.17; 12.47). Ele veio para anunciar o ano aceitável, ou seja o longo prazo que Ele dá para a salvação. Pedro diz na sua 2ª carta 3.9: "O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a têm por tardia; mas é longânimo para conosco, não querendo que alguns se percam, senão que todos venham a arrepender-se".
Por isso é que Jesus fechou o livro. O dia da vingança do nosso Deus será na Sua 2ª vinda. Veja o que Paulo diz em 2Ts 1.7,8: "E a vós, que sois atribulados, descanso conosco, quando se manifestar o Senhor Jesus desde o céu com os anjos do seu poder,como labareda de fogo, tomando vingança dos que não conhecem a Deus e dos que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo".
Isaías estava certo, mas não sabia a diferença entre as montanhas. E Jesus, consciente de Seu ministério aqui na terra deixou isso bem claro, por isso fechou o livro antes de ler todo o texto.
Hoje ainda estamos no "ano aceitável". Ainda há tempo para arrependimento, para confissão, para entregar-se a Cristo e professá-lO como Senhor de nossas vidas. Mas haverá um dia, "o dia da vingança", em que não teremos tempo mais para nada. Como nos dias de Noé, ninguém teve tempo quando "o dia" chegou, assim também quando terminar "o ano" e chegar "o dia" não haverá tempo para estas coisas, arrependimento e conversão. Isso é para agora, porque o "dia da vingança do nosso Deus" é dia, não é ano. É rápido, não tem longanimidade. Aproveitemos a paciência de Deus que nos espera para estarmos "em pé naquele dia", como disse Jesus em Lucas 21.34-36: "E olhai por vós, não aconteça que os vossos corações se carreguem de glutonaria, de embriaguez, e dos cuidados da vida, e venha sobre vós de improviso aquele dia. Porque virá como um laço sobre todos os que habitam na face de toda a terra. Vigiai, pois, em todo o tempo, orando, para que sejais havidos por dignos de evitar todas estas coisas que hão de acontecer, e de estar em pé diante do Filho do homem" (grifo meu).
Dia tēs písteōs.
Pr. Cleilson