Há uma nova discussão no meio reformado (ou neorreformado) sobre se é lícito, bíblico, necessário, conveniente ou recomendável a presença das crianças em salinhas ou no culto público. A presente discussão surge quando alguns defendem que as crianças estejam juntas com os adultos na participação do culto público e não em locais apropriados para a idade delas, como as salinhas, por exemplo, que há na maioria das igrejas.
O argumento é que não há base bíblica para salinhas, para ensinar as crianças separadamente dos adultos na Bíblia. Há também outros argumentos, como o do egoísmo, por exemplo, onde se diz que quando queremos crianças nas salinhas, estamos pensando em nosso conforto de não tê-las por perto nos incomodando ou atrapalhando nossa atenção à palavra; também o argumento de que a criança pode sim entender o que está sendo pregado para os adultos; o argumento de que isso é dividir classes e, com isso, a introdução do marxismo dentro da igreja e assim por diante. Ainda há os pontos negativos, quando se alega que estamos entregando nossas crianças a professoras mal preparadas, que ficam contando historinhas bíblicas, quando as crianças precisariam aprender sobre doutrinas.
Pois bem. Esta discussão só é útil na medida em que combate realmente os pontos fracos, como este último mencionado. Os demais pontos não são fraqueza. Desde então, quero fazer a distinção entre estar no culto (de fato, devem estar) e estar presentes na pregação (o que é discutível).
Em primeiro lugar, a Bíblia toda é a revelação de Deus (que todos cremos como sendo progressiva) ao homem, dada aos autores em doses pedagógicas. Deus não revelou a Moisés o que revelou a Paulo e João no Apocalipse. A revelação é progressiva e o próprio Deus tratou isso de modo pedagógico, respeitando os tempos que Ele mesmo estabeleceu. Isso não amordaçou Deus para não fazer revelações futuras, até mesmo incompreensíveis para os profetas que as vaticinaram. Eles disseram coisas relacionadas a nós, “indagaram e inquiriram” (1Pe 1.10), “investigando, atentamente, qual a ocasião ou quais as circunstâncias oportunas, indicadas pelo Espírito de Cristo, que neles estava, ao dar de antemão testemunho sobre os sofrimentos referentes a Cristo e sobre as glórias que os seguiriam” (v. 11).
Quando negamos às crianças o direito de serem ensinadas dentro de sua capacidade de absorção intelectual, estamos indo contra os próprios métodos de Deus, que Ele utilizou na história da Sua revelação. Deus não derramou revelação sobre os autores bíblicos além dos seus limites. E, se por vezes houve isso, não era uma regra e sim exceções. Assim como há exceções em que nossas crianças participarão de alguns sermões que preparamos para adultos. Negar essa distinção é negar a natureza do crescimento físico, intelectual e espiritual das pessoas. Êutico era um jovem (provavelmente adolescente) que, junto com adultos ouvia a pregação de Paulo. Entretanto, ele não conseguiu ficar atento. Não sabemos o(s) motivo(s), mas ele não teve a mesma capacidade dos ouvintes ali presentes. Só sabemos que a pregação (sempre maravilhosa) do apóstolo não foi capaz de mantê-lo acordado. Timóteo foi instruído por sua mãe Eunice e sua avó Loide (2Tm 1.5) certamente no judaísmo, mas o cristianismo não refugou tudo do judaísmo, principalmente no que tange a posturas secundárias.
Paulo criticou os coríntios por serem crianças (1Co 3.1,2). Obviamente, era a postura deles que era de crianças, mas o argumento de Paulo mostra claramente que crianças são tratadas diferentemente, tanto no alimento físico, como no espiritual. Aqueles irmãos precisavam amadurecer, certamente. Mas Paulo reconheceu a limitação deles, embora injustificável, por se esperar outra coisa de crentes convertidos. Entretanto, uma criança natural não pode amadurecer fora de sua faixa. É justamente por isso que ela é uma criança! Quando crescer deixará de ser... Você pode repreender um adulto por ser criança, mas não pode repreender uma criança pelo mesmo motivo! Então, alimento adequado para cada idade!
Não ter professores preparados para as crianças é de fato um erro. Mas isso não significa que todos não estão. Aliás, a nossa época é farta em materiais pedagógicos que não se resumem a historinhas, embora as contenham, mas que vão além, ensinam doutrinas, credos, confissões, teologia e tudo mais. É um erro grotesco e uma terrível desonestidade colocar todas as igrejas no mesmo saco e bater de pau. Professores de crianças estão sendo cada vez mais preparados e ainda, monitorados por seus pastores (vide a APEC, por exemplo, entre várias editoras como a Cultura Cristã e outras instituições de ensino infantil). Essa crítica, portanto, não é justa e ainda não justifica o que se propõe defender. Ainda mais, as "historinhas" assim chamadas pejorativamente, são excelentes meios de mostrar Cristo por toda Escritura! Zombar disso é zombar de Cristo. As igrejas devem sim esmerar-se em um preparo para seus pedagogos, mas negar o ensino de histórias bíblicas para crianças é reduzir Deus a temas doutrinários apenas, o que é um erro bíblico grotesco!
Se não há mandamento bíblico para ter salinhas para as crianças, também não há mandamento para que elas estejam presentes no templo ouvindo um sermão que vai ser desperdiçado em grande quantidade pela sua capacidade ainda em desenvolvimento de absorver o que está sendo dito. Usar o texto de Joel, por exemplo (2.16) é, como todo bom intérprete sabe, uma injustiça hermenêutica. O texto não está falando de um culto “normal” e sim de circunstâncias específicas, arrependimento nacional, algo que não se encaixa na proposta defendida. Mas por que a Bíblia não entra nessas questões? Porque são questões secundárias, que a própria igreja local tem condições e discernimento espiritual suficiente para resolver. Não é possível que, se iremos julgar o mundo e até os anjos (1Co 6.2,3), não consigamos perceber essa questão em nossas igrejas locais. Portanto, quem quiser e achar por bem, junto com o Conselho de sua igreja local, ter as crianças ouvindo os sermões no templo, ainda que percam grande parte do seu proveito, que assim o façam. Mas não há base bíblica nenhuma para criticar aquelas igrejas que, juntamente com seu Conselho, também decidiram que as crianças irão para suas salinhas, ouvir a mesma palavra adequada para sua absorção pedagógica, o que se torna até mais proveitoso, uma vez que a questão é desejar o melhor para elas.
Ainda nesse assunto, não há egoísmo dos pais em desejar que suas crianças estejam em um lugar apropriado. Eles apenas querem o melhor proveito, tanto para elas, quanto para si mesmos. É proveitoso até mesmo para o pregador. Mas, como já dito, vai daquilo que foi decidido em um consenso com a liderança da igreja.
Os pais devem ser ensinados a ensinarem seus filhos em casa também. Que bom seria se o ensino doméstico fizesse com que as crianças chegassem à igreja sabendo o que ali será ensinado apenas como um reforço. Mas nem todos os pais estão também no mesmo nível de conhecimento espiritual e dependem de ensinos estruturais na sua fé. Isso não lhes pode ser negado, nem usado o mesmo argumento de que todos conseguem compreender o que é pregado. De fato, conseguem, mas qual o proveito? Poderia ser melhor? Estão perdendo algo que poderia ser retido?
Não estamos defendendo a pregação rasa. Aliás, se as crianças forem permanecer para ouvir um sermão de 40 minutos a uma hora, nem mesmo sendo um sermão adequado para a linguagem pedagógica delas, elas não conseguiriam fixar sua atenção! Quanto mais em um sermão rebuscado, como deve ser para adultos. Não estamos alegando que as crianças são incapazes. Porém, como disse Paulo, devemos andar na medida daquilo que já alcançamos (Fp 3.16). Se não devemos considerá-las incapazes, o que não são, também não devemos impor o que elas não suportam, nem mesmo Deus nos dá provações além do que podemos suportar. Os ensinos também não. Até mesmo nós adultos, nos espantamos com novas descobertas que passamos muito tempo sem saber delas. Exigir esse entendimento das crianças é cruel. Aliás, o que se critica é onde se cai, pois justamente na época do ensino paulofreiriano e marxista é que se impôs que as crianças estivessem cada vez mais cedo e cada vez mais tempo nas escolas.
Falando nisso, o apóstolo Paulo liberou que as irmãs ensinassem outras irmãs. Será que Paulo estava dividindo a igreja em classes? Ou isso é um aspecto natural da igreja? O fato de mulheres poderem ensinar mulheres não exime os homens (obviamente chamados para ensinar) de ensinarem mulheres também. O mesmo se dá com crianças. Preparar professores para a área infantil não exime o pastor de ensinar as crianças da igreja. Na igreja, naturalmente há classes. O que não pode haver é divisões que adoeçam o corpo, como havia em Corinto, divisões de preferências. Mas as divisões etárias são naturais e, se consideradas para o bom andamento e crescimento das partes, todas elas “segundo a justa cooperação de cada parte, efetua o seu próprio aumento para a edificação de si mesmo em amor” (Ef 4.16).
As crianças devem sim, participar da liturgia da igreja, como as orações, os cânticos, o ofertório, a comunhão, mas o momento da pregação deve ser dado a elas dentro de seu nível de aprendizado que ainda está em andamento e, certamente, muito diferente do andamento dos adultos.
Finalizo, dizendo que na nossa igreja, as crianças participarão
da liturgia, aprenderão a se portar com decência, aprenderão os louvores e como
se dirige um culto para Deus. Mas continuaremos a priorizar o ensino para elas
dentro de seu processo de aprendizado, com pessoas chamadas e capacitadas para
isso. Lá nas salinhas delas, elas serão ensinadas com fidelidade, histórias, doutrinas,
teologia, credos, confissões e uma vida cristã para a glória de Deus.
Día tes písteos.
Pr. Cleilson
Muito bom
ResponderExcluirAmém, Deus abençoe!
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