Um dos argumentos dos defensores do livre-arbítrio humano é a fala de Deus com Caim, antes deste assassinar seu irmão. Deus dissera a Caim: "Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo" (Gn 4.7 - ARA). Na versão Corrigida Fiel consta assim: "E se não fizeres bem, o pecado jaz à porta, e sobre ti será o seu desejo, mas sobre ele deves dominar".
Como sabemos, o texto hebraico usa um verbo para o pecado, como de um animal à espreita, agachado à porta, esperando para dar o bote. Sabemos também que Caim não era nada inocente. A própria fala de Deus denuncia isso: "Se procederes bem, não é certo que serás aceito?" (v. 7a), isto é, Deus já havia rejeitado a oferta dele justamente porque sua conduta era de quem não procedia bem. Neste caso, Caim já não dominava seu pecado.
Sendo assim, Deus não esperava que a partir de agora Caim viesse a dominá-lo, pois já desde antes ele não o fazia, ao contrário, Caim é que era dominado pelo pecado.
Geralmente, o argumento de quem defende o livre-arbítrio é o seguinte: "Se Deus disse que Caim devia dominar seu pecado, então é porque temos livre-arbítrio para pecar ou não". Bem, seguindo esse mesmo raciocínio, então procuremos por um homem na face da terra que consiga dominar seu pecado! Nem mesmo crentes, regenerados, convertidos são capazes de fazê-lo com totalidade... quanto mais o homem sem Cristo!
Então, o que Deus realmente disse a Caim? Observe o verbo que Deus usa na frase. Deus diz: "a ti cumpre dominá-lo", "sobre ele deves dominar". Perceba que aqui se fala do dever de Caim e não do seu poder! Deus não está dizendo que Caim pode dominar seu pecado, mas que ele deve! Aqui fala de sua responsabilidade e não de sua possibilidade!
O maior erro da mente do livre-arbítrio é pensar que só se é responsável se for possível. Em outras palavras, responsabilidade pressupõe liberdade. Ou ainda, dito de forma negativa: não se pode cobrar responsabilidade de quem não tem capacidade.
Entretanto, este é um grande erro. Vamos a um exemplo corriqueiro que acontece entre pais e filhos. Os pais dizem ao filho quando criança: "Não mexa aqui em tal lugar, senão você vai apanhar". Bem, está conferida uma responsabilidade! Na realidade, os pais sabem exatamente que o filho fará o oposto daquilo; ele vai mexer! E o que acontece quando a criança desobedece? Acontece o castigo! Se o pensamento do livre-arbítrio estivesse certo, então os pais seriam injustos ao punirem seus filhos por desobedecerem a uma ordem que eles não podiam obedecer! Mas isso é inconcebível. Ninguém chama os pais de injustos por isso! Portanto, o que torna o filho responsável? É sua capacidade de obedecer? Óbvio que não! O que o torna responsável é a ordem dos pais, independente se a criança é ou não capaz de obedecer!
Agora um exemplo bíblico. Quando Deus entregou Seus mandamentos a Israel, Ele esperava que a nação os guardasse e obedecesse? Claro que não! Deus sabia da incapacidade de Israel de obedecer a Seus mandamentos! No entanto, cada mandamento estava carregado de uma punição (maldição) se não fosse cumprido! Então Deus seria injusto ao punir um povo que Ele já sabia que não era capaz de obedecê-lo? Por que Ele deu as leis cheias de ameaça para um povo que Ele já sabia que não podia guardá-las? Mais uma vez, o que tornava o povo responsável diante de Deus não era seu poder de guardar a lei, mas o fato de Deus ter lhe dado as ordens!
No Novo Testamento, temos também a mesma pedagogia. Deus exige que os homens creiam em Seu Filho. No entanto, Ele sabe que os homens são incapazes disso. Jesus disse em João 8.43: "Qual a razão por que não compreendeis a minha linguagem? É porque sois incapazes de ouvir a minha palavra". E diz mais no v. 47: "Quem é de Deus ouve as palavras de Deus; por isso, não me dais ouvidos, porque não sois de Deus". Mesmo assim, sabendo que os homens são incapazes de crer em Cristo, Deus os condenará por sua incredulidade: "Quem nele crê não é julgado; o que não crê já está julgado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus" (Jo 3.18). E também o v. 36: "Por isso, quem crê no Filho tem a vida eterna; o que, todavia, se mantém rebelde contra o Filho não verá a vida, mas sobre ele permanece a ira de Deus".
Caim era do maligno (1Jo 3.12). Ele não era de Deus. Ele não se tornou filho do maligno porque matou seu irmão. Ele matou seu irmão porque já era filho espiritual da serpente! Caim não podia dominar seu pecado. Nenhum homem pode! Nesse ponto somos todos Caim! Deus não está dizendo que esta é uma possibilidade, Ele está dizendo que esta é a responsabilidade! Deus não estava Se referindo ao que Caim podia e sim que ele devia! Temer a Deus e guardar Seus mandamentos é o dever de todo homem (Ec 12.13)! Sim, é o dever, mas infelizmente, não é o poder!
Afinal, foi para isso que veio o próprio Deus em carne. Porque, apesar de que Ele não devia, entretanto, Ele podia! Com Jesus foi o contrário. Ele não tinha pecado, portanto, não devia. Mas como era Deus, Ele podia dominar e vencer o pecado, como de fato o fez! Tanto que Ele foi para a cruz não por Seus pecados, pois não os tinha. Ele foi para a cruz por (e com) nossos pecados! Ele viveu uma vida sem pecado, para morrer uma morte pelos pecados! Jesus não era uma presa do pecado, como Caim e como nós! O pecado não ficava à porta do coração de Jesus como um animal agachado! Não! Seu santo coração era puro, não carregava a semente de Adão! Vencer o pecado, para Jesus não foi problema nenhum. Sua grande angústia foi saber que ficaria separado do Pai, debaixo de Sua santa ira, sem merecer, sem ter cometido pecado algum, apenas por causa dos nossos pecados, os pecados daqueles a quem Ele Se propôs salvar!
Portanto, nem Caim nem nós podemos dominar o pecado! Devemos, mas não podemos! Por isso Paulo diz aos romanos que a justiça de Deus se manifestou mediante a fé em Cristo (Rm 3.21,22) para todos e sobre todos os que creem. Por quê? Porque todos pecaram (v. 23), portanto, não há quem possa glorificar a Deus dominando o pecado. Por isso Paulo diz que a jactância (o orgulho) foi excluída (v. 27). Por qual lei? Das obras? Não, diz o apóstolo, mas pela lei da fé. Porque se alguém pudesse ser justificado porque domina o pecado, então o homem teria de que se gloriar! Mas como ninguém é capaz disso, então, a glória pertencerá só a Deus, que continua como na época de Caim. Dá a fé a quem Ele deseja salvar e exige como dever (e não poder) daqueles que não creem! Estes se tornam responsáveis, mesmo sem ser capazes!
Não há livre-arbítrio! Caim não é o melhor exemplo! Como ele, todos os homens são responsáveis diante de Deus. Não porque podem (porque não podem), mas porque devem!
Soli Deo Gloria!
Día tes písteos.
Pr. Cleilson
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