No princípio era o
Verbo, e o verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus... e o Verbo Se fez carne
e armou Sua tenda temporária entre nós... (Jo 1.1,14).
A desgraça humana já estava instalada na terra. O Deus
Criador põe Seu coração na miséria humana e vem participar dela. Não somente
Seu coração está posto em nossa desgraça, mas Ele vem e assume em corpo a nossa
desgraça. E isso começa com o Natal. O Natal é privilégio para os homens, mas é
ultrajante para Deus. A humilhação de Jesus começa aqui. Seu nascimento é
motivo de alegria para nós, mas é humilhante para Ele. Deixar Sua glória, abrir
mão de Suas prerrogativas divinas para ficar enclausurado nas quatro paredes da
limitação humana, não é algo próprio da divindade.
Mas não para por aí. Quando Ele Se humilhou ao vestir nossa
carne, Ele veio também ao ventre de uma moça pobre, noiva de um trabalhador
pobre, haja vista a oferta que eles levaram ao Templo, um casal de pombinhos e não
um cordeiro. Ele veio ao mais baixo setor econômico da sociedade. Porque de
onde Ele nascesse, Ele resgataria dali pra cima. Se fosse em classe média ou
alta, somente dali pra cima haveria salvação. Por isso Paulo diz que Ele desceu
às partes mais baixas da terra (Ef 4.9).
Mas Ele não parou Seu rebaixamento por aqui. Não nasceu
entre médicos e parteiras. Não teve assistência, nem uma cama, nem mesmo uma
casa. Para mostrar que Ele era a casa, nasceu fora de qualquer casa. O Criador,
ao assumir Sua natureza humana não veio a nós dentro de uma casa, de um quarto
requintado, nem mesmo de uma cama confortável. Desonrosamente, teve Seu
primeiro contato com o oxigênio (como ser humano) num estábulo de animais. Seus
primeiros suspiros Lhe traziam o odor de esterco! Natal é humilhação. É alegria
porque o Salvador da humanidade devia ser homem. Mas nenhum homem estava em condições
de ser um salvador. Por isso quando o Salvador Se faz homem, os homens deviam
alegrar-se, pois ali chegava a solução do maior problema dos homens – o pecado.
Mas para Ele, que veio resolver o problema, tudo isso era desconcertante! Mas Ele
não Se importou. Ele queria vir ao mais baixo nível que existia para salvar o
pior pecador...
Sua humilhação tinha que continuar. Embora todos achassem
que Ele era apenas mais um homem, Ele mesmo sabia Quem era e de onde tinha
vindo, mas devia permanecer calado sobre isso. Revelar apenas às ovelhas
perdidas do Seu Pai. Não podia fazer propagandas para ser reconhecido, não podia
Se ensoberbecer e Se revoltar contra as rejeições. Ao ser ameaçado ainda criança,
teve que ser levado no colo de seus pais, que fugiram a pé, ou com algum
animalzinho de carga para o Egito até que o perigo passasse. Cresceu no norte
de Israel, entre os rejeitados. Não no sul, onde os aristocratas moravam e
rejeitavam os do norte. Região da Galileia e não Judeia. Em Nazaré, entre as
divisas das terras da Samaria, entre os rejeitados. Auxiliar de carpinteiro,
trabalhou nisso até assumir Sua vocação, aos 30 anos.
Essa vergonha que o Criador passou como homem, continua
ainda, porque vai até o rio Jordão, onde os pecadores eram batizados pelo Seu
primo. Ele Se identifica com os pecadores quando Se batiza. Ele vai cumprir
toda a justiça e para que ela se cumpra, Ele deve Se identificar com nossos
pecados! Seu primo sabia que Ele era o Cordeiro que tira o pecado do mundo, mas
não sabia de que maneira isso aconteceria. Por isso tenta impedir Seu batismo,
visto que Ele não tinha pecado. Ele não sabia da identificação. Para salvar
pecadores, Ele tinha que entrar na lama do pecado onde os pecadores estavam.
Mesmo assim, não parou de Se humilhar. O Espírito O leva ao
deserto para ser tentado pelo diabo. Quando jejua 40 dias sente o que jamais
havia sentido em toda a eternidade – fome! Estômago vazio, fraqueza física,
quiçá tonturas e mal estar... uma grande oportunidade que Seu inimigo encontra
para fazê-lo pegar um atalho. “Use Seu poder, resolva Seu problema”. Não. Ele não
veio resolver Seu problema, Ele veio resolver o nosso problema! Não há atalhos,
não há desvios, não se muda a rota nem o plano. E Ele sabe disso. Trilha o
caminho pré-estabelecido pelo Pai com total submissão e dependência.
Sua humilhação continua, porque mesmo escolhendo discípulos,
os reconhecidos rabinos não O reconhecem como Mestre. Exceto uns poucos que O
reconheciam, mas ainda pelo motivo errado. Só pode ser de Deus se fizer sinais
e milagres. Mas Ele não Se deixa levar pelas admirações erradas dos pecadores. Ele
traz de volta o foco e diz que os homens precisam nascer de novo, senão não podem
entrar no reino que Ele veio instalar. Seu primo, que agora estava preso, chega
a cogitar que Ele não era o Esperado! Mas Ele manda um recado dizendo a João
que bem-aventurado será aquele que não tropeçar nEle. Ele era a Pedra do Salmo
118.22. Rejeitada, humilhada, mas sem ela não haveria a maior construção de
todos os tempos, a igreja! Não tropecem em Mim, dizia Ele aos judeus, senão vocês
serão despedaçados e se Eu cair sobre vocês, pior ainda, serão reduzidos a pó. É
melhor que nós caiamos sobre Ele do que Ele cair sobre nós! Os que caem sobre
Ele estão construídos; os que Ele cai por cima estão destruídos!
Seus milagres faziam com que as multidões se maravilhassem.
Mas eles entendiam errado. Ele não era um mágico que veio para entreter as
pessoas. Seus sinais externos eram comprovações do que Ele podia fazer
internamente no homem. Ao curar um enfermo, Ele estava dizendo que podia curar
a alma também. Ao expulsar um espírito mau, Ele estava dizendo que o Senhor é
Ele, até daquele que oprime o homem. Ao ressuscitar um morto, Ele estava
dizendo que Ele é a verdadeira e eterna vida. Os demônios sabiam disso e,
muitas vezes exclamavam com alta voz Sua identidade e Seu poder. Mas Ele os
mandava calar. Não queria glamour, queria salvar. Ser reconhecido por demônios
pode ser glória para nós, mas para Ele era cilada. As multidões maravilhadas
com Seus prodígios não suportavam Seus sermões. Achavam duro Seu discurso e
insuportável. E O abandonavam... Sua popularidade vai caindo quando os
caçadores de milagres encontravam um paradoxo em Seu discurso. Como pode um
homem com tanto poder não querer ser o nosso rei? Eles não sabiam que Ele veio
para humilhação e Sua exaltação não podia ser própria. Tinha que ser proveniente
do Pai. Qualquer que se exalta será humilhado, mas aquele que Se humilha será
exaltado, dizia Ele, talvez pensando em Si mesmo.
Sua humilhação não para, porque ao entrar na cidade de
Jerusalém, não escolhe um cavalo, nem pompas de um rei, mas um jumentinho e
cumpre a profecia de Zc 9.9. Grande parte da multidão ainda tem uma esperança
errada sobre Ele e coloca suas túnicas e mantos pelo chão, usam ramos para
proclamarem “bendito o que vem em nome do Senhor”, mas com um coração político,
manchado por vingança, querendo vindicar a honra do antigo povo de Israel, tão
heroico nos tempos de Davi. E ali naquela cidade, mesmo tendo batido contra os
mercadores no Templo, não atendeu a expectativa do povo que Lhe seguia. Debateu
com as autoridades religiosas, expôs a podridão deles, angariou a antipatia de
todos e foi abandonado quase que por completo. Mas Ele marchava para Seu plano,
o de salvar os homens, inimigos de Deus, os que O rejeitavam, e este plano só poderia
ser realizado com a mais dura pena, a morte!
Ele dá mais uma mostra de Sua humilhação quando lava os pés
dos Seus discípulos. Ele veio para servir, não para ser servido. Somente servos
lavavam os pés dos hóspedes. Ele é o Servo do Senhor que Isaías falou! O homem
que acalmou tempestades, caminhou sobre as águas e foi transfigurado em glória
está ali, na última ceia, olhando nos olhos do que O haveria de trair. Parte o pão
dizendo que assim será feito com Seu corpo. Mas não tem problema. Ele é o pão partido
que gerou o corpo místico, a igreja! Seu corpo rasgado e defeituoso na cruz
produziu o corpo mais unido e perfeito de todos os tempos, o Corpo Espiritual
de Cristo, Sua igreja, Seu complemento!
Ao orar, agoniado no jardim, sente Suas glândulas de suor se
romper e sair filetes de sangue de Seus poros. Precisa do conforto de um anjo,
pois Seus discípulos dormem... Disseram que jamais O abandonariam, mas Ele está
ali só. Num tremendo confronto em experimentar a separação de Deus por nossa
causa, Ele pede que o cálice Lhe seja afastado, mas enfim Se sujeita à vontade
do Pai! Ali mesmo, naquela madrugada é preso pelos guardas do Templo, indicado
pelo beijo de um dos Seus seguidores. Sua humilhação passa para o nível físico
e moral, onde é torturado, espancado, flagelado e envergonhado. O homem que
perdoou pecadores, publicanos e prostitutas, agora está exposto, nu e
cabisbaixo perante o tribunal injusto e mancomunado de homens corruptos, que se
colocam como juízes diante daquele que haverá de julgar os vivos e os mortos!
Passa por três tribunais, o dos judeus, o de Pilatos e o de
Herodes. Os judeus inventam um pecado para Ele, Pilatos não vê nenhuma culpa
nele e Herodes apenas escarnece. Ao ser entregue para os açoites, Sua carne é
rasgada como sulcos feitos por um arado na terra... essas listas, todavia, são como
trilhas que nos levam a Deus! Essas feridas são nossa cura! Esse castigo é a
nossa paz! Os carrascos não sabiam por que O estavam surrando. Mas Ele sabia
que a ira de Deus começava a manifestar-se sobre Si.
Sua humilhação vai ao mais baixo nível de condenação capital
da época. Não bastava ser condenado à morte, tinha que ser a pior das mortes. A
crucificação. Ele foi até lá para alcançar o morto mais decomposto da
humanidade! Era uma morte onde se sente a chegada do fim passo a passo. Nada escapa,
qualquer dor, toda respiração, olhos frente a frente com a morte que se
aproxima lentamente. Ali, a própria morte tortura, pois carrega cada pedaço aos
poucos. Que vergonha esse Natal... Que doloroso e angustiante! A alegria de
salvação para os homens jamais seria imaginada custar todo esse preço! O sorriso
dos pastores quando receberam a notícia do nascimento de Jesus, transforma-se
em uma espada que traspassa a alma da mãe dele e a alma de todos os que começam
a compreender que o Natal não é tão bonito assim... ali chegava o Salvador, mas
aqui Ele opera a salvação! A manjedoura já era um sinal de que as coisas não iam
terminar tão alegres! O que nasceu entre animais, morre entre ladrões! E para
mostrar a que veio, ainda salva um deles na última hora.
A humilhação dele só termina dentro de um sepulcro. Deitado
numa manjedoura Ele veio ao mundo e encerra Sua humilhação deitado debaixo de
uma pedra. Seu corpo inerte dentro de uma tumba fria... quem imaginaria que o
Criador pudesse ser parado e imobilizado pela morte? Por que nascer então? Porque
Ele veio para morrer. E só poderia morrer se nascesse. O Natal apontava para a
cruz. Ele só nasceu porque tinha que morrer. Tinha que se identificar com os
homens e os homens nascem. Mas os homens nascem desejando viver e nada podem
fazer contra a morte. Ele nasceu para morrer e a morte nada podia fazer contra
Ele! Pois ressuscitou!
Ainda bem que o triste Natal termina na Páscoa! Cristo foi
humilhado até o fundo do pior poço que jamais a mente humana imaginou. Deixou
que tudo isso acontecesse e confiou que o Pai O exaltaria. E foi o que
aconteceu! Ao terceiro dia, o Pai empregou todo Seu poder, força, energia,
autoridade, domínio e soberania e arrancou Seu Filho das garras da humilhação!
Elevou-O até às alturas celestes, os mais altos céus (Ef 4.10) e de lá, Ele
enche todas as coisas! Ao subir, ele carrega também o cativeiro onde os homens
se encontravam aprisionados. E concede dons a eles. Deus O colocou à Sua
direita em um trono de glória. Toda Sua humilhação foi recompensada. Ele recebeu
o nome que está acima de todo o nome. E ao nome dele se dobra todo o joelho de
toda criatura, seja do céu, da terra ou de debaixo da terra. E toda língua
proclama em uníssono que Ele é o Senhor para a glória de Deus Pai!
O Natal foi apenas o começo da humilhação de Cristo. Foi apenas
o início da vergonha. O Natal é sem graça, mas Jesus trouxe a graça no meio
dessa desgraça. O Natal é um paradoxo. Onde há vexame para o Criador, há
alegria para os pecadores. O Natal nos mostra nossa grande salvação através de
Sua grande humilhação.
“Pois conheceis a
graça de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, se fez pobre por amor de
vós, para que, pela sua pobreza, vos tornásseis ricos” (2Co 8.9).
Día tēs písteōs.
Pr. Cleilson
Que texto incrível de se ler! Que maravilha!
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